Anarquivamentos

O seminário “Neo-decolonilidades: Anarquivamento”, apresentado pela Pesquisadora Milena Szafir, discutiu o conceito de anarquivamento, explorando a ideia de destruição e regeneração de arquivos como uma forma de desafiar identidades e narrativas dominantes. Foram abordados temas como a reciclagem de materiais culturais, a importância da subversão e a relação entre arquivos e identidade. Também foi apresentado um protótipo de interface online para trabalhar com arquivos audiovisuais e projetos de artistas anarquivadores ao longo da história das artes visuais e do cinema.

Texto-base:

Texto-base da discussão: “Acerca do Anarquivamento”. Em: WALTER BENJAMIN E A GUERRA DE IMAGENS – Márcio Seligmann- Silva, cap. 2, pp. 19-43. Versão online preliminar: https://www.researchgate.net/publication/328649389_Sobre_o_anarquivamento_-_um_encadeamento_a_partir_de_Walter_Benjamin

Referências comentadas no seminário:

34a Bienal de São Paulo. Disponível em: <http://34.bienal.org.br/artistas/8296>. Acesso em: 27 fev. 2024.

Aline Motta: A água é uma máquina do tempo. , 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-Br6IvsZPkM>. Acesso em: 27 fev. 2024

Anais de Textos Completos do XIX Encontro Socine. [s.l.] Socine, 2016.

ARANTES, P. Reescrituras da Arte Contemporânea. 1a edição ed. [s.l.] Sulina, 2015.

Architecture et archives numériques. Disponível em: <http://www.citedelarchitecture.fr/fr/publication/architecture-et-archives-numeriques>. Acesso em: 27 fev. 2024.

BEIGUELMAN, G. Impulso historiográfico. São Paulo: Peligro Edições, 2019. Disponível em: https://www.desvirtual.com/project/impulso-historiografico/

Brasil – Hack your culture. Disponível em: <https://www.goethe.de/prj/hyc/pt/bra.html>. Acesso em: 27 fev. 2024.

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COSTA, E. A. Mudanças epistemológicas na arquitetura: entre arquivos, exposições e publicações. Revista Estudos Históricos, v. 34, n. 72, p. 129–147, 26 jan. 2021.

DERRIDA, J. Mal De Arquivo Uma Impressão Freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. Disponível em: http://archive.org/details/DERRIDAJaqcuesMalDeArquivoUmaImpressoFreudiana_201605

Entrevista com Paulus Gerdes |. Disponível em: <http://www.labeduc.fe.usp.br/?videos=paulus-gerdes>. Acesso em: 27 fev. 2024.

FOSTER, H. An Archival Impulse. October, v. 110, p. 3–22, out. 2004.

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GERDES, P. Viver a Matemática Desenhos de Angola. [s.l.] Edições Humus, 2013.

Instituições da USP abrem seus acervos para maratona cultural. Disponível em: <https://jornal.usp.br/cultura/instituicoes-da-usp-abrem-seus-acervos-para-maratona-cultural/>. Acesso em: 27 fev. 2024.

Livro Etnomatemática – Elo entre as tradições e a modernidade da Autêntica Editora. Disponível em: <https://grupoautentica.com.br/autentica/etnomatematica_-_elo_entre_as_tradicoes_e_a_modernidade/1737>. Acesso em: 27 fev. 2024.

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MATIENZO, M. A. On anarchivism: perpetuating the postmodern turn within archival thought. 2002.

Museu Bispo do Rosário – Arte contemporânea. , [s.d.]. Disponível em: <https://museubispodorosario.com/>. Acesso em: 27 fev. 2024

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Professor Ubiratan D’Ambrosio uniu matemática, educação e busca por justiça social. Disponível em: <https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2021/05/13/professor-ubiratan-dambrosio-uniu-matematica-educacao-e-busca-por-justica>. Acesso em: 27 fev. 2024.

ROLLET, S. (Re)atualização da imagem de arquivo: ou como dois filmes de Harun Farocki conseguem “anarquivar” o olhar. Revista Eco-Pós, v. 17, n. 2, 2014.

#streamengramas de uma revolução .77b. , 21 nov. 2016. Disponível em: <https://vimeo.com/192542307>. Acesso em: 27 fev. 2024

SZ, M. TOWARDS THE CLOUDING AUDIOVISUAL AESTHETICS [v.8. [s.d.].

VERAS, L. (ED.). Abre-te Código. São Paulo: Goethe-Institut, 2020.

ZYLINSKA, J. AI Art: Machine Visions and Warped Dreams. [s.l.] Open Humanites Press, 2020.

Arquivos contra-hegemônicos para outras histórias da arquitetura brasileira

Como pensar arquivos contra-hegemônicos para outras história da arquitetura brasileira?

por Giselle Beiguelman*

Na tradição ocidental, a arquitetura nasce sempre como imagem. Entre o desenho e o desígnio, fica o projeto e o desejo de um dia tornar-se ruína. Essa utopia contamina a arte de construir moderna _ que para nós, historiadores, é um período entre os secs. 16 e 18_; o paradoxo modernista de fazer tabula rasa do passado e ambicionar-se eterno; e o remix x-tudo pós-moderno, nas suas apropriações da história, para além de qualquer vínculo com a historicidade das coisas. 

São essas, grosso modo, as matrizes do arquivo de arquitetura, constituindo-se como um vasto repositório distribuído. Nele se empilham plantas, fotos, desenhos, infografias e obras propriamente ditas, que ocupam documentos cartoriais, bibliotecas especializadas, gavetas e servidores de escritórios públicos e privados, além das ruas e outros espaços organizados, do campo à cidade e vice-versa. 

O que fica fora do arquivo institucional?

Ernesto Oroza. Alamar, 2012. Arquitectura de la necesidad

As tecnologias informais, as gambiarras e as “arquiteturas da necessidade”, como chamou o artista cubano Ernesto Oroza, não figuram no recorte do que o arquivo institucionalizado identifica como arquitetura, ou documento de arquitetura. Muito provavelmente porque essas formas de habitar e ocupar o espaço nunca efetuaram a passagem da bidimensionalidade do projeto/ registro para a tridimensionalidade do espaço. Suas imagens são mentais e se concretizam diretamente no vivido e em processo.

Vania Medeiros, Caderno de campo, 2016.

Contudo, apesar de suas ausências nos arquivos institucionaais, exceto nos registros policiais, onde são dominantes, são as imagens dessas arquiteturas “sem-papel”, as que prevalecem nas redes. Uma consulta ao Google Trends, uma espécie de bússola do Google que mede a temperatura dos termos mais buscados no seu search engine, mostra diferenças estarrecedoras entre os termos Favela, cujo interesse chega a 100 (o ponto máximo do índice do Google), no último ano, e Arquitetura Moderna, Paulo Mendes da Rocha e Lucio Costa, cujo interesse é praticamente nulo.

Esse desequilíbrio de interesses é mais instigante quando confrontado com os resultados de uma busca feita pelos mesmos termos na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, onde a presença do termo Arquitetura Moderna é 36.3% maior que o termo Favela, o qual, em números, é muito próximo da quantidade de teses sobre Paulo Mendes da Rocha e Lucio Costa. Advirto que a escolha de Mendes da Rocha e Costa não obedeceu a qualquer critério científico sobre o who is who na história da arquitetura brasileira, algo que eu não teria bagagem para defender. Antes, concentrou-se em dois casos de acervos que migraram para o exterior recentemente e acenderam o debate sobre os arquivos de arquitetura no País.

Teses e Dissertações 2005 – 2023
Favela 1619
Arquitetura Moderna 2210
P M da Rocha 1086
Lucio Costa 935

BDTD. Acesso em 05/08/2023

O que os dados nos dizem?

Criar uma hipótese sobre a relevância da arquitetura informal em relação à arquitetura institucionalizada, pelo nível de interesse mobilizado nas redes, contrapondo-os ao que se pesquisa nas universidades brasileiras, seria por demais leviano, pois seu fundamento seria quase que exclusivamente algorítmico. 

Ainda assim, considero que a lógica da “wisdom of crowds”, e com base na rica investigação em desenvolvimento no nosso Projeto Temático Fapesp (Acervos Digitais e Pesquisa), que o desafio de inventar os novos arquivos da arquitetura brasileira passa por procedimentos que atentem à documentação social que é disponibilizada nas redes, com recursos de Inteligência Artificial e Visão Computacional. 

Isso poderia permitir voos mais arriscados, mais aderentes aos olhares locais e mais condizentes com o que a um arquivo de arquitetura teria de ser: um corpo sem órgãos, no sentido mais deleuziano possível, capaz de identificar não tipologias específicas, mas diversidades, contradições, inclusive de formas sobre como os padrões modernistas são negados e incorporados nas suas estruturas físicas e sociais, seus abusos e soluções ambientais.

(Resumo da apresentação feita no Colóquio Desenquadrar a arquitetura, deslocar a história | Org. Eduardo Costa e Junia Cambraia Montimer | FAUUSP 10 de agosto de 2023)

O arquivo do futuro e o futuro do arquivo

Desafios e possibilidades dos arquivos digitais: refletindo sobre a organização dinâmica de conteúdos culturais e a intervenção editorial em sistemas de automação 

o arquivo do futuro em ilustração feita no DALLE-2

O arquivo digital não se limita a ser um espaço de armazenamento de documentos. Ele é um arquivo mutante, que não apenas guarda, mas cria arquiteturas para que o usuário possa performar e interagir com os conteúdos.[1]

O modelo de catalogação dos museus foi levado sem questionamento para o meio digital. Contudo, na internet o objeto é enrredado e conectado a outras informações, o que pode tornar difícil a sua organização em um repositório digital.

Assim, documentar hoje em dia é questionar a lógica de um repositório digital estático e pensar em ecossistemas de organização dinâmicos, com possibilidades de absorver links públicos e das redes sociais, tornando-se um lugar de encontro para pessoas e conteúdos.

Nesse sentido, o arquivo digital permite contar outras histórias da arte, além das já conhecidas. Ele pode ser um espaço de experimentação e interação com as obras, possibilitando novas interpretações e formas de apreciação. Para tanto, é preciso repensar a lógica dos repositórios digitais estáticos e investir em sistemas flexíveis.

Um arquivo dinâmico estruturado a partir das conexões com modelos de IA pode ser um ponto de partida para o modelo de plataforma que queremos desenvolver, incorporarando, por exemplo, funcionalidades presentes nos GLAMs da Wikipedia, que permitem aos usuários visualizar as conexões e apropriações que os conteúdos encontraram ao longo do tempo.

Desafios

Uma das formas de dar visualidade aos conteúdos é por meio de métodos Warburguianos, que buscam pelos elementos das imagens e exploram as suas conexões com outras obras e contextos. Algoritmos como o MosAIc podem ser utilizados para encontrar semelhanças e conexões entre imagens aparentemente desconectadas, gerando novas interpretações e possibilidades de apreciação.

No entanto, é importante lembrar que a visualidade dos conteúdos não se limita apenas à sua representação gráfica. Ela também está relacionada à forma como os conteúdos são organizados e disponibilizados para o público. Por isso, é importante investir em arquiteturas dinâmicas e flexíveis, que permitam aos usuários explorar os conteúdos de forma personalizada e adaptada às suas necessidades e desejos.

Apesar das vantagens do uso de IA para a organização de arquivos e conteúdos culturais, existem diversos desafios a serem enfrentados. Um dos principais é o “darwinismo dos dados”, que se refere ao processo de seleção e valorização dos dados que ocorre dentro dos algoritmos de IA. É preciso entender como a máquina entende e intervir editorialmente no sistema dinâmico de automação para evitar que os algoritmos reproduzam preconceitos e discriminações presentes na sociedade.

Além disso, as lógicas dos modelos proprietários de IA podem interferir nas categorias que criamos e limitar a forma como os conteúdos são organizados e disponibilizados. É importante pensar em ferramentas que possam ser implementadas para identificar dados enviesados e corrigir essas distorções.

Outro desafio é como pensar a catalogação de uma documentação por fazer. É possível pensar em um arquivo que parta da recusa do armazenamento e que privilegie a dinamicidade e a flexibilidade, mas isso significa abrir mão da conservação no processo de gestão. Esse é um princípio contestado por Hal Foster em “The Archives Without Museums“, que argumenta que é importante preservar e conservar os arquivos para garantir a continuidade histórica e a memória cultural.

Portanto, é necessário encontrar um equilíbrio entre o dinamismo e a conservação, pensando em arquiteturas flexíveis e adaptáveis que permitam a personalização da experiência do usuário, mas que também garantam a preservação e a continuidade histórica dos conteúdos. É importante investir em ferramentas que possam identificar dados enviesados e corrigir as distorções, além de intervir editorialmente no sistema de automação para evitar a reprodução de preconceitos e discriminações.

 

Notas

1 Texto redigido pelo ChatGPT a partir da síntese da Reunião do dia 27/02/2023, com a presença de Ana Gonçalves Magalhães, Dalton Martins, Eduardo Augusto Costa, Giselle Beiguelman, Heloisa Espada, Paula Perissinotto, Priscila Arantes, Renata Padilha, Renata Perim. Edição e revisão: Giselle Beiguelman.