A imagem documental da arte, da arquitetura e do design

Por Ana Gonçalves Magalhães e Giselle Beiguelman

Imagens da pesquisa realizada para o documentário Domingo no Golpe (2024)

A imagem documental de arquitetura, assim como a do design, dominante nos arquivos e museus especializados, não mostra os prédios ocupados, nem os objetos em uso. No máximo, no que tange à arquitetura, insere alguém como medida da escala da construção. No que diz respeito ao design, um tanto quanto paradoxalmente, os objetos aparecem isolados, como entes em si mesmo.

O mesmo ocorre com as obras de arte, sejam elas pintura, escultura, fotografia, instalações e objetos site-specific de todos os tipos, ou obras de arte digitais. Não temos imagens mentais de edifícios de uso público modernos, vistas a partir do seu interior, tomados por multidões, como as que aprecem no documentário Domingo no Golpe, feito com as imagens das câmeras de segurança do Palácio do Planalto liberadas à imprensa pelo GSI, por ordem do STF.

Talvez nossas imagens mentais, nessa relação multidão/ espaço moderno no Brasil, se resumam na atualidade ao prédio da Bienal e ao salão caramelo da FAUUSP. Essas poucas imagens mentais, no entanto, remetem a um perfil de movimentos sociais mais à esquerda e não de massas de pessoas de direita.

Não temos um olhar educado também para imaginar os espaços modernos, especialmente os de Brasília, sucateados pelas diversas estéticas da burocracia, como as divisórias bege, as tiras de durex colorido cortando os vidros, e a imensa quantidade de catracas eletrônicas, detectores de metal, monitores baratos, cordas, raio-x etc. Elas são hoje preponderantes nas imagens, demolindo os princípios de “palacete de vidro” de Lucio Costa, com todos os conceitos aí implícitos, e enchendo o espaço de objetos de um design anódino e agressivo.

Patrimônio em disputa e sob ataque

A decoração desses espaços também foi se desvirtuando ao longo da história de uso desses espaços. No caso das obras de arte que decoram há mais de 50 anos os Palácios do Planalto e da Alvorada (sede e residência da presidência da República, respectivamente), destaca-se um decreto lei do Presidente Luís Inácio Lula da Silva de 2009, que instituiu uma comissão de curadoria para ambientação dos palácios do governo.

O segundo governo Lula tratou de legitimar o que vinha sendo construído desde o processo de redemocratização do Brasil, com a nova constituição de 1988, em que funcionários da Superintendência do IPHAN do Distrito Federal foram destacados para cuidar da ambientação dos palácios. A institucionalização de uma curadoria para essa atividade reconhece as obras de arte ali presentes como acervo a ser cuidado.

Em 2019, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro revogou o decreto lei de instituição de uma comissão de curadoria para os palácios do governo. Tal ação foi seguida não só de comissionamentos de pinturas e esculturas para a projeção da imagem de Bolsonaro individualmente, ligada a ideias messiânicas e cristãs antidemocráticas, de qualidade mais do que duvidosa. Além disso, durante seu mandato, obras de arte que já estavam na decoração dos prédios foram negligenciadas, conforme relatos feitos à imprensa nacional logo depois da posse da nova presidência da República.

Isso não se limita aos espaços invisíveis (os subterrâneos das entradas “de serviço”), mas também está presente nos espaços de uso “nobre” (até quando manteremos essas denominações espúrias, não sabemos. Mas fato é que elas denominam não só os vídeos das câmeras de segurança, mas também, oficialmente, os locais). As cortinas rotas (a existência mesmo dessas cortinas não fere o projeto do Palácio?), os equipamentos de áudio e vídeo, desajeitadamente colocados sobre as obras artísticas, como uma tapeçaria de Burle Marx, são um indicativo que o projeto de uma “modernidade bossa nova” não resistiu ao uso dos sucessivos governos e desgovernos que ocuparam o edifício.

Estéticas da burocracia

Incrível também o luxo entremeado nos materiais, das paredes de granito preto (um tanto quanto desgastadas pelo tempo e pela falta de cuidado), os mármores brancos do piso, a madeira maciça dos móveis. Tudo emporcalhado pela estética da burocracia e a falta de cuidados mínimos com o prédio. Há ainda muitos recipientes de álcool em gel (provavelmente vazios) colados nas paredes tão ricas.

Rir ou chorar diante disso? Rir porque são heranças da presidência de Bolsonaro, o incrível ser que negou a realidade da Covid, ou chorar, pelo dano que causam aos materiais em que são fixados sabe-se lá com quê …

Entretanto, há uma história dos materiais implicada nesses processos. Diante da destruição, somos desafiados a pensar a relação com os materiais. O que nos conta uma janela quebrada sobre as minas de sílica que estão nos seus primórdios? E um mármore quebrado? Ao que se liga ? De onde veio? Qual seu território?, pergunta o pesquisador Eduardo Augusto Costa.

Contudo, como deixar de se indignar com as diversas interferências feitas ao longo do tempo, maculando a suntuosidade de um poder que carrega consigo todas as ambivalências do modernismo brasileiro que Brasília condensa: os espaços abertos, a transparência do vidro e sua total desconexão com a realidade brasileira.

As imagens de Brasília privilegiam a “casca” de seu imóveis (as fachadas), em pontos de vista que se repetem na angulação e nos detalhes. As imagens das câmeras de vigilância do Palácio do Planalto apresentam pontos inéditos, permitem percursos por dentro dos prédios, enunciam um cotidiano que sugere uma outra pedagogia do olhar sobre o poder. Os ângulos do posicionamento das câmeras fazem saltar aos olhos quinas, cantos, perspectivas oblíquas que são um quase anti-Niemeyer, numa de suas arquiteturas mais consagradas que é o Palácio do Planalto.

Dinâmicas do espaço público: Terra de ninguém

por Giselle Beiguelman

Nas imagens do 8 de janeiro liberadas pelo GSI à imprensa, por ordem do STF, chama a atenção também o espírito de manada, a forma como a “irmandade” comemora a destruição do patrimônio público. A fúria, aliás, contra o patrimônio público é um traço da iconoclastia dominante nesse 8 de janeiro. Nada escapa do exército verde amarelo “cebefista”. O que isso diz sobre nossa direita e sua compreensão do espaço público como terra de ninguém? Esta foi uma pergunta que nos fizemos várias vezes ao longo da pesquisa para a realização do documentário Domingo no Golpe (2024).

A imagem da obra de Di Cavalcanti esfaqueada é uma chave para entender os acontecimentos ocorridos naquele domingo. Apesar de não ser a única desse perfil, infelizmente, ela traduz não só o aleatório da violência que testemunhamos, mas a clareza de seus alvos. Atacar as obras de arte revela o desprezo e o ódio contra a cultura. A foto desse quadro perfurado sete vezes é uma espécie de clímax de uma narrativa da extrema direita que insiste em mostrar seu desrespeito às instituições, aos seus processos e à democracia, reiterando seu manifesto interminável contra o patrimônio público e a história.

Como se sabe, essa obra de Di Cavalcanti, a tela “As Mulatas”, de 1962, foi uma das vítimas, e não a única, da turba que invadiu as sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do governo federal. Fotos e vídeos, muitos dos quais produzidos e divulgados pelos próprios golpistas, são eloquentes sobre o rastro de destruição deixado, semelhante ao da violência das guerras.

A avalanche imagética que se seguiu na televisão e na internet chocou a todos e recordou, para vários, duas pinturas de Oscar Niemeyer, conhecidas como “Ruínas de Brasília”. Feitas em 1964, em Paris, essas duas pinturas mostravam as célebres colunas do Palácio da Alvorada, de sua autoria, tombadas sobre um fundo lúgubre e quase sem luz.

Expressavam sua reação ao golpe que transformou a capital em sede da ditadura civil-militar de 1964 a 1985. Ruínas, no entanto, como aprendemos com o pensador alemão Walter Benjamin, guardam consigo uma ponta de futuro, porque presentificam o vivo na morte. São, por isso, um fragmento da história, expandindo a memória num arco temporal que abrange seu antes e seu depois.

Multidão verde-amarela cebefista

Stills de Domingo no Golpe. Imagens dos vídeos das câmeras de segurança do Palácio do Planalto registradas pelas câmeras de vigilância do GSI e disponibilizadas à impresa por ordem do STF.

Por esse motivo, outro pensador alemão, Andreas Huyssen, diz que o século 20 não foi capaz de criar ruínas, apenas escombros. As imagens das cidades devastadas pelos bombardeios da Segunda Guerra Mundial o convenciam disso. Se as ruínas expressam a “saudade de um futuro alternativo”, como identificar ruínas naquelas paisagens abortadas do tempo de forma tão cruel? A mesma pergunta cabe diante da agressão ao patrimônio público feita pelos “verdeamarelistas” que invadiram a praça dos Três Poderes.

Não que alguém esperasse da parte desses golpistas algum tipo de empatia com a arte, o patrimônio ou as instituições. Afinal, eles foram a Brasília em nome da continuidade de um projeto de destruição que atingiu as mais variadas áreas. 

As imagens que vimos do ataque de 8 de janeiro têm grau de violência equivalente às dos enterros em massa na pandemia, às dos incêndios de florestas, assim como o desmonte da cultura e dos órgãos do patrimônio histórico promovidos ao longo do governo Bolsonaro.

As imagens desse fatídico dia nos chocaram não porque seríamos ingênuos sobre o perfil dos golpistas, mas porque enunciam visualmente aquilo que o filósofo italiano Giorgio Agamben chamou de “estado de exceção como paradigma de governo”. Um estado de torpor e violência institucional, cuja eficiência depende não da supressão da lei, mas da invenção de uma lacuna fictícia que, em caso extremo, cria uma área em que essa aplicação pode ser suspensa, ainda que permaneça em vigor.

Essa fratura do direito é fundamental para entender o delírio dos golpistas em Brasília e de sua apropriação destrutiva do patrimônio coletivo. Sua truculência mostra que a discussão sobre o direito à memória é indissociável da do direito ao espaço público, entendido como espaço de conflito e negociação, socialmente produzido. Essa noção se opõe radicalmente à compreensão equivocada e criminosa, patente na invasão da praça dos Três Poderes.

Para os golpistas que violentaram as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o espaço público é entendido como terra de ninguém ou propriedade de cada um. Isso implica ignorar o fundamento das instituições como mediadoras das instâncias coletivas. Além do mais, expressa a incapacidade de entender que discutir o bem público é falar do bem comum e de como o compartilhar.

É fato que grande parte do patrimônio atacado é modernista e que o tema é prenhe de contradições. Essas contradições vão da ideia de Brasília como ocupação do “puro vazio” até as diversas histórias da arte que vem problematizando as narrativas do modernismo brasileiro. Contudo, a invasão golpista não tem qualquer traço crítico ou foco particular sobre essas questões. Tem só ódio à cultura.

Como foi fartamente noticiado e visto nas redes sociais, e particularmente nas imagens das câmeras de vigilância do Palácio do Planalto, os ataques miraram tudo o que viam pela frente. Foi uma ação no estilo Blitzkrieg, ou guerra-relâmpago, que, como tal, busca o maior saldo possível de destruição, pelo efeito surpresa, rapidez e brutalidade do ataque. Como tanques alucinados, a turba foi ao confronto direto com todas as instâncias concretas da arte, da história e especialmente dos lugares de exercício institucional da democracia.

Os prejuízos dos ataques, dadas as suas dimensões, não foram totalmente contabilizados, mas incluem obras de diferentes perfis e quilates, que impactaram a arquitetura, o mobiliário e os acervos artísticos dessas instituições. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, ainda não sabe se todas as obras poderão ser recuperadas, mas aventa a construção de um memorial da democracia com as obras atacadas. De que forma elas serão apresentadas, ainda é cedo para saber. 

Contudo, é inegável que essas obras, em grande parte expressão da herança moderna que o poder forjou sobre si mesmo, ganharam outras dimensões desde o oito de janeiro. Essas dimensões são políticas e estéticas. Remetem, por isso, a pensar em como fazê-las contar narrativas dissidentes das oficiais e sobre os que tentaram silenciar a democracia em nome do ódio. Talvez isso seja a chave para pensar as imagens descartáveis das câmeras como arquivo e lugar de memória nato-digital.

Estéticas da Vigilância

As imagens acima foram editadas a partir dos arquivos das câmeras de segurança do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República) liberadas à imprensa por ordem do STF. Elas integram a pesquisa feita para o documentário Domingo no Golpe (2024). Há implícita nessas gravações uma história das estéticas da vigilância e uma arqueologia das câmeras de segurança.

Das câmeras trôpegas PZT (Pan, Zoom, Tilt), e que poeticamente tremem no vento e borram as imagens na chuva, às lentes olho de peixe, que captam sons e criam uma realidade paralela. Algumas, como as do Salão Nobre e da área externa do Palácio, são tão antigas que parecem um filme expressionista alemão. Nesse tipo de câmera, são comuns os glitches pixelizados quando a câmera corre, de um ponto a outro, deixando um rastro da materialidade das imagens digitais.

Giselle Beiguelman

Domingo no Golpe – Pesquisa

Domingo no Golpe, documentário de Giselle Beiguelman e Lucas Bambozzi sobre o ataque golpista de 8 de janeiro de 2023, envolveu ampla discussão do grupo de investigadores do nosso Projeto Temático Fapesp e do pesquisador convidado Lucas Bambozzi. Destacamos abaixo alguns pontos desses debates:

O que dizem as imagens das câmeras de segurança do Palácio do Planalto?

por Giselle Beiguelman

As imagens dos atos golpistas de 8 de janeiro disponibilizadas pelo Gabinete de Segurança Institucional à imprensa são emblemáticas de algumas peculiaridades da cultura da memória na atualidade. Entre elas, destacam-se a superprodução de registros que são criados para serem esquecidos, como as que são produzidas para as redes sociais, ou para serem apagados, como os vídeos gerados por câmeras de segurança, nosso foco aqui. No contexto do 8 de janeiro brasileiro, no entanto, esses registros ganharam estatuto de documento e de prova criminal. Afinal, são essas imagens produzidas para não serem vistas nem guardadas, a única documentação oficial sobre o acontecimento. Para além de sua instrumentalidade no processo em curso sobre a tentativa de golpe articulada pela extrema-direita bolsonarista, essas imagens sugerem questões importantes:

Diante dessa quantidade assombrosa de imagens (quase 800 horas de vídeo captadas por 33 câmeras), perguntamos: Quais outras histórias da arte, da arquitetura, do urbanismo, da cidade e do design essas imagens nos contam? Que tipo de arquivo nos sugerem? Que políticas da imagem e que tipos de estéticas do pós-fotográfico estão enquadradas nessas câmeras?

Domingo no Golpe (documentário)

Domingo no Golpe é um documentário “Ready Media” Giselle Beiguelman e Lucas Bambozzi sobre a tentativa de golpe de Estado ocorrida em 8 de janeiro de 2023. A definição, alude a obras em que os autores mais chamam a atenção para o que já existe, do que criam algo totalmente novo. É o caso deste documentário, que foi inteiramente produzido com as imagens das câmeras de segurança do Palácio do Planalto.

Essas imagens foram disponibilizadas à imprensa pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional), por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2023. A narração foi criada a partir de trechos do relatório final da CPMI dos Atos de 8 de Janeiro, divulgado em 17 de outubro de 2023, lido pela senadora Eliziane Gama (relatora).

Domingo no Golpe aborda um 8 de janeiro que não começou há um ano e, todavia, não terminou, segundo o pronunciamento da relatora, que funciona como um fio condutor da narrativa. O documentário teve uma um corte inicial previamente disponibilizado ao público no dia 08 de janeiro de 2024, pela internet.

Conceitos e linguagens

Stills de Domingo no Golpe. Imagens dos vídeos das câmeras de segurança do Palácio do Planalto registradas pelas câmeras de vigilância do GSI e disponibilizadas à impresa por ordem do STF.

A ideia de se fazer o lançamento definitivo por ocasião da data em que se completam 60 anos do Golpe de 1964, reflete sobre as continuidades entre esse e outros acontecimentos similares recentes. A sugestão de que a história dos atentados contra a transformação social são um contínuo na história brasileira, em atos nem sempre democráticos, por parte das elites brasileiras, está em uma das falas de Darcy Ribeiro, uma das vozes que conduzem o documentário.

Um outro aspecto comentado pelo documentário Domingo no Golpe é a configuração do traçado previsto para a cidade de Brasília, refletindo os poderes constituídos. Na fala de Lúcio Costa, também presente do documentário, a idéia foi “criar uma praça triangular equilátera, porque os três poderes teoricamente têm o mesmo peso”. O que vemos, no entanto, é uma clara intenção de ataque não apenas aos poderes representados, mas também aos símbolos da cultura republicana e democrática.

Assista outros trialers

Lucas Bambozzi comenta que o trabalho é uma busca semiótica por momentos representativos do que foi o Domingo de 08 de janeiro de 2023:

“Em operações manuais de avanço, aceleração e pausa, identificamos pontos e momentos precisos, em uma lógica estética que reflete articulações de imagens conhecidas nos anos 1980 como scratch video, entre a velocidade voraz, o slow motion e o still, numa busca por personagens, ações e expressões faciais que refletem cinismos, ignorâncias, ingenuidade e violências, como momentos significantes em cada clip das 33 câmeras a que tivemos acesso”, diz Lucas.

Stills de Domingo no Golpe. Imagens dos vídeos das câmeras de segurança do Palácio do Planalto registradas pelas câmeras de vigilância do GSI e disponibilizadas à impresa por ordem do STF.

Já Giselle Beiguelman destaca que o documentário revela não só pontos de vista inusitados sobre Brasília, dados pelas câmeras de segurança, mas também a fragilidade da noção de espaço público, de bem comum entre nós.

“A capital que se vê no documentário não é a da imponência modernista das construções de Niemeyer e da utopia do urbanismo de Lucio Costa, mas um território de agressões ao patrimônio público. São ataques indiscriminados e violentos contra a arquitetura, as obras e todo e qualquer objeto. Há uma espécie de frenesi da destruição que implicitamente supõe que o que é público é de ‘ninguém’ e, sendo assim, você pode ir lá e fazer o que você quiser. Mas o espaço público é exatamente o contrário disso. É exatamente por se público que é negociado, princípio que é um dos pilares da compreensão sobre o que é a democracia”, afirma Giselle.

Lucas e Giselle destacam ainda que o documentário apresenta também uma sui generis arqueologia das câmeras de vigilância, já que as quase 800 horas de vídeo que registraram o ataque ao Palácio do Planalto em 8 de janeiro, a partir de 33 diferentes pontos, são de épocas, sistemas e qualidades muito diferentes entre si. Preservar e dar nitidez a essa variedade de linguagens de registros levou os artistas a optarem por não homogeneizar, via tratamento de imagens, seu colorido, nem mascarar seus intermitentes “bugs”, ruídos e distorções.

O título do documentário nasceu do inusitado das imagens, em que os golpistas aparecem com cadeiras de praia, camisetas da CBF e uma parafernália de símbolos pátrios revisitados, num clima de domingão, no qual o grande programa não era ir ao parque, mas ao golpe. Rever essas imagens implica pensar nos vários ataques à democracia brasileira e as formas de resistência a esse atentados.

Para imagens de divulgação e contatos para exibição, escreva para: acervosdigitais [at] usp [dot] br

Anarquivamentos

O seminário “Neo-decolonilidades: Anarquivamento”, apresentado pela Pesquisadora Milena Szafir, discutiu o conceito de anarquivamento, explorando a ideia de destruição e regeneração de arquivos como uma forma de desafiar identidades e narrativas dominantes. Foram abordados temas como a reciclagem de materiais culturais, a importância da subversão e a relação entre arquivos e identidade. Também foi apresentado um protótipo de interface online para trabalhar com arquivos audiovisuais e projetos de artistas anarquivadores ao longo da história das artes visuais e do cinema.

Texto-base:

Texto-base da discussão: “Acerca do Anarquivamento”. Em: WALTER BENJAMIN E A GUERRA DE IMAGENS – Márcio Seligmann- Silva, cap. 2, pp. 19-43. Versão online preliminar: https://www.researchgate.net/publication/328649389_Sobre_o_anarquivamento_-_um_encadeamento_a_partir_de_Walter_Benjamin

Referências comentadas no seminário:

34a Bienal de São Paulo. Disponível em: <http://34.bienal.org.br/artistas/8296>. Acesso em: 27 fev. 2024.

Aline Motta: A água é uma máquina do tempo. , 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-Br6IvsZPkM>. Acesso em: 27 fev. 2024

Anais de Textos Completos do XIX Encontro Socine. [s.l.] Socine, 2016.

ARANTES, P. Reescrituras da Arte Contemporânea. 1a edição ed. [s.l.] Sulina, 2015.

Architecture et archives numériques. Disponível em: <http://www.citedelarchitecture.fr/fr/publication/architecture-et-archives-numeriques>. Acesso em: 27 fev. 2024.

BEIGUELMAN, G. Impulso historiográfico. São Paulo: Peligro Edições, 2019. Disponível em: https://www.desvirtual.com/project/impulso-historiografico/

Brasil – Hack your culture. Disponível em: <https://www.goethe.de/prj/hyc/pt/bra.html>. Acesso em: 27 fev. 2024.

BREAKELL, S.; RUSSELL, W. (EDS.). The Materiality of the Archive: Creative Practice in Context. [s.l.] Taylor & Francis, 2024.

COSTA, E. A. Mudanças epistemológicas na arquitetura: entre arquivos, exposições e publicações. Revista Estudos Históricos, v. 34, n. 72, p. 129–147, 26 jan. 2021.

DERRIDA, J. Mal De Arquivo Uma Impressão Freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. Disponível em: http://archive.org/details/DERRIDAJaqcuesMalDeArquivoUmaImpressoFreudiana_201605

Entrevista com Paulus Gerdes |. Disponível em: <http://www.labeduc.fe.usp.br/?videos=paulus-gerdes>. Acesso em: 27 fev. 2024.

FOSTER, H. An Archival Impulse. October, v. 110, p. 3–22, out. 2004.

GERDES, P. Geometria dos trançados bora na Amazônia peruana. 1a edição ed. [s.l.] Editora Livraria da Física, 2011.

GERDES, P. Viver a Matemática Desenhos de Angola. [s.l.] Edições Humus, 2013.

Instituições da USP abrem seus acervos para maratona cultural. Disponível em: <https://jornal.usp.br/cultura/instituicoes-da-usp-abrem-seus-acervos-para-maratona-cultural/>. Acesso em: 27 fev. 2024.

Livro Etnomatemática – Elo entre as tradições e a modernidade da Autêntica Editora. Disponível em: <https://grupoautentica.com.br/autentica/etnomatematica_-_elo_entre_as_tradicoes_e_a_modernidade/1737>. Acesso em: 27 fev. 2024.

MANOVICH, L. Database as Symbolic Form. Em: VESNA, V. (Ed.). Database Aesthetics. Art in the Age of Information Overflow. NED-New edition ed. [s.l.] University of Minnesota Press, 2007. v. 20p. 39–60.

MATIENZO, M. A. On anarchivism: perpetuating the postmodern turn within archival thought. 2002.

Museu Bispo do Rosário – Arte contemporânea. , [s.d.]. Disponível em: <https://museubispodorosario.com/>. Acesso em: 27 fev. 2024

Paulus Gerdes. Disponível em: <http://www2.fe.usp.br/~etnomat/site-antigo/anais/PaulusGerdes.html>. Acesso em: 27 fev. 2024.

Professor Ubiratan D’Ambrosio uniu matemática, educação e busca por justiça social. Disponível em: <https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2021/05/13/professor-ubiratan-dambrosio-uniu-matematica-educacao-e-busca-por-justica>. Acesso em: 27 fev. 2024.

ROLLET, S. (Re)atualização da imagem de arquivo: ou como dois filmes de Harun Farocki conseguem “anarquivar” o olhar. Revista Eco-Pós, v. 17, n. 2, 2014.

#streamengramas de uma revolução .77b. , 21 nov. 2016. Disponível em: <https://vimeo.com/192542307>. Acesso em: 27 fev. 2024

SZ, M. TOWARDS THE CLOUDING AUDIOVISUAL AESTHETICS [v.8. [s.d.].

VERAS, L. (ED.). Abre-te Código. São Paulo: Goethe-Institut, 2020.

ZYLINSKA, J. AI Art: Machine Visions and Warped Dreams. [s.l.] Open Humanites Press, 2020.

Inteligência Artificial em Museus

Neste seminário, ministrado pela pesquisadora Renata Perim, foram analisados 15 sites de museus que estão utilizando recursos de Inteligência Artificial no tratamento e divulgação de seus acervos.

Sites analisados:

The Museums + AI Network

MoMA & Machine Learning

https://experiments.withgoogle.com/moma

Rijksmuseum + The MET

https://microsoft.github.io/art/app

The Met – Open Access Program

https://www.metmuseum.org/blogs/digital-underground/2017/open-access-at-the-met

The Met – Collection API

https://www.metmuseum.org/blogs/now-at-the-met/2018/met-collection-api

Cleveland Museum of Art 

https://www.clevelandart.org/art/collection/search?i=2

https://www.clevelandart.org/art/collection/share-your-view#

Barnes Foundation – Using computer vision to tag the collection

https://medium.com/barnes-foundation/using-computer-vision-to-tag-the-collection-f467c4541034

Barnes Foundation

https://collection.barnesfoundation.org/

The Met – All at Once

http://www.thegreeneyl.com/allatonce

Harvard Art Museum

https://ai.harvardartmuseums.org/

Cooper-Hewitt

https://labs.cooperhewitt.org/2013/giv-do/

Sarjeant Gallery – Robot eyes

https://medium.com/@armchair_caver/looking-at-sarjeant-gallerys-collection-through-robot-eyes-c7fd0281814e

SFMOMA – sentiment analysis

SFMOMA – send me 

Museu Paulista  (experimentos com IA feitos pelo projeto demonumenta)

http://demonumenta.fau.usp.br/museu-paulista/

Pinacoteca – A voz da arte

Inteligência distribuída e catalogação como crowdsourcing

Giselle Beiguelman

Arquivos digitais e Inteligências Artificiais possibilitam novas formas de organização dinâmica dos conteúdos culturais, abrindo possibilidades inéditas para o conhecimento crítico e colaborativo. Essas mesmas dinâmicas implicam desafios significativos, face à obsolescência programada e ao colonialismo dos dados. Nesse contexto, fabular arquivos mutantes, capazes de dar vazão a outras histórias das artes e das sociedades, implica pensar em modos de fomentar usos críticos das redes e outras culturas da memória. Iniciativas de catalogação baseadas em sistemas de crowdsourcing são um ponto de inflexão importante desse debate

Inciativas de catalogação distribuída em sistemas de crowd-sourcing ganham peso na reflexão sobre novos modelos de arquivamento. As iniciativas GLAM (Galleries Libraries Archives and Museums) são um ponto de partida para essa discussão. Elas compreendem as parcerias e atividades realizadas pela Wikipédia com instituições culturais, a fim de levar o acervo dessas instituições ao público online, assegurando que as informações relacionadas a esses acervos (os metadados) estejam devidamente estruturados.

Um dos casos mais bem sucedidos é o do Museu Paulista da da USP (MP-USP) que resultou em: Disponibilização das imagens relacionadas ao acervo do museu (+ de 30 mil até o momento); 6 mil metadados estruturados referentes às imagens e outros itens do acervo; Melhoria de 2.500 verbetes na Wikipédia (Maratonas de edição), relacionados à mulher na História da Arte, à figuração dos indígenas no Museu, e à problematização das lutas pela Independência do Brasil.

Digno de nota, nessa direção, é o projeto Arquigrafia, da FAUD-USP. Criado em 2008 e online desde 2011, o Arquigrafia é um ambiente colaborativo temático com cerca de 10 mil imagens de arquiteturas e espaços urbanos, disponibilizadas para livre acesso, com direitos autorais protegidos por licenças Creative Commons. Em parceria com a Seção de Material Iconográfico da Biblioteca da FAUUSP, sua equipe desenvolve um intenso trabalho de conservação de material fotográfico original, digitalização e difusão web que faculta o acesso público e gratuito a um dos mais relevantes acervos de imagens fotográficas de arquitetura e urbanismo.

Outra iniciativa que vale menção aqui, em sua capacidade de trabalhar o potencial da inteligência distribuída das redes é o projeto By the People, da Library of Congress, dos EUA, um projeto de crow-sourcing que convida o público a transcrever, revisar e taguear páginas digitalizadas das coleções da Biblioteca. As transcrições criadas pelos voluntários melhoram a pesquisa, a legibilidade e o acesso a documentos manuscritos e digitados para todos, incluindo pessoas com deficiência visual.

Todas as transcrições são feitas e revisadas por voluntários antes de serem integradas ao site da Biblioteca. “By the People” é alimentado pela plataforma de transcrição colaborativa de código aberto Concordia, desenvolvida pela Biblioteca do Congresso. Inciado em 2018, o nome desse projeto vem da frase de encerramento do Discurso de Gettysburg de Abraham Lincoln, que afirma: “…governo do povo, pelo povo e para o povo, não perecerá da terra.” Ao delegar a melhoria das coleções digitais da Biblioteca do Congresso aos seus consulentes, a instituição segue um movimento que a Biblioteca Pública de Nova York vem realizando desdes 2012, como o Space/Time Directory.

O projeto, que recebeu uma bolsa de 380 mil dólares, foi anunciado como um “Google Maps do passado”, com uma função de controle deslizante de tempo construída ao juntar e sobrepor mapas históricos. Um recurso semelhante a “Foursquare ou Yelp do passado”, onde qualquer local histórico pode ser encontrado em qualquer ponto no tempo. Um catálogo histórico dos materiais culturais da cidade, como fotografias, artigos de jornal, diretórios de empresas, referências literárias e dados censitários.

Uma “máquina do tempo em forma de código” – uma base de código que outras cidades podem emular para criar interfaces semelhantes. Está fora do ar, comprometido pela obsolescência programada. Porém seu código continua aberto no Git Hub. A disponibilização das formas de fazer é fundamental para pensar no fomento à Inteligência distribuída.

Sites de Museus e Arquivos

A discussão sobre o perfil de conteúdo de nossos protótipos de arquivos, com ênfase em metodologias ágeis e estratégias contra-hegemônicas de arquivamento, remete pensar de forma articulada a programação com os requisitos de acessibilidade e circulação do projeto. Com base nas análises, feitas pela equipe do nosso projeto, de sites de museus e arquivos, fica claro que nosso projeto deve privilegiar em suas interfaces:

  • Arquiteturas da informação que facilitem a navegação e a visão contextual das obras
  • Design que traduza o perfil e a atuação do site
  • Buscas cruzadas, com filtros, e abertas para informações externas
  • Acessibilidade, contemplando públicos com deficiências visuais e auditivas
  • Imagens com boa qualidade de resolução
  • Conteúdos audiovisuais dos acervos (e não apenas deeventos)

Sites analisados pela equipe e respectivos diagnósticos [1]

MAC-USP (por Heloisa Espada):

O site do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) é uma plataforma institucional que oferece acesso ao acervo digital e a publicações relacionadas ao museu. No entanto, o site enfrenta desafios em seu design e arquitetura de informação, tornando a navegação complexa. Apesar disso, ele fornece informações sobre exposições e conteúdo digitalizado que podem ser relevantes para pesquisadores.

Relevância:

Embora sua arquitetura de informação e design possam ser melhorados, o site é importante para este Projeto Temático, pois fornece informações valiosas sobre o acervo do MAC USP, que é relevante para a pesquisa e o desenvolvimento das investigações em curso.

MAC-USP (Por Ana Magalhães):

O site do MAC-USP é reconhecido por seu extenso acervo e disponibilidade de obras digitalizadas em formato PDF. No entanto, enfrenta desafios significativos em termos de arquitetura de informação, dificultando a localização de conteúdo. Melhorias no design e na organização do site podem melhorar a experiência do usuário. 

Relevância:

O site do MAC USP, apesar de seus desafios em termos de arquitetura de informação, é significativo para o Projeto Temático devido ao seu extenso acervo digital e à disponibilidade de obras digitalizadas em PDF. A pesquisa sobre o site revela a importância de melhorar sua organização e design para tornar os conteúdos mais acessíveis aos usuários.

Itaú Cultural (Por Paula Perissinotto):

O site do Itaú Cultural se destaca por seu acervo digital diversificado, que abrange várias áreas culturais. Oferece uma busca cruzada eficaz e links externos que enriquecem a pesquisa. No entanto, o design do site, embora funcional, poderia ser mais esteticamente atraente. A gestão editorial e o acesso remoto são pontos positivos, facilitando a pesquisa flexível.

Relevância:

O site do Itaú Cultural é relevante para o Projeto Temático devido ao seu acervo digital diversificado, que abrange várias áreas culturais. Sua busca cruzada eficaz e links externos enriquecem a pesquisa. O site pode desempenhar um papel importante na pesquisa e desenvolvimento do projeto, especialmente se a gestão editorial e os aspectos estéticos forem aprimorados.

Sarjeant Gallery (Por Renata Perim):

O site da Sarjeant Gallery, museu neozelandes, oferece um mecanismo de busca eficiente, permitindo aos usuários explorar o acervo de forma detalhada, haja vista que o museu não está aberto ao público devido à construção de uma nova galeria.

Relevância:

O site da Sarjeant Gallery é importante para o Projeto Temático devido à sua arquitetura de informação bem planejada e design organizado. Ele oferece um mecanismo de busca eficiente, permitindo que os usuários explorem o acervo de 8.000 peças detalhadamente.

Associação Cultural Videobrasil (Por Priscila Arantes):

O site da Associação Cultural Videobrasil abriga um vasto acervo de videoarte contemporânea. Não oferece recursos educativos nem informações detalhadas sobre o acervo. O design do site não se alinha ao conteúdo, o que pode afetar a experiência do usuário. 

Relevância:

Apesar dos desafios enfrentados pelo site da Associação Cultural Videobrasil, como imagens de baixa resolução, ele é relevante para o Projeto Temático devido por permitir buscas cruzadas em seu acervo.

Design Museum Holon (Por Milena Szafir):

O site do Design Museum Holon se destaca por seu design criativo e vocabulário próprio. Oferece recursos de acessibilidade e uma arquitetura de informação lógica. A busca é eficiente, mas requer conhecimento prévio dos conteúdos. O acesso a imagens em alta resolução é um ponto forte, apesar de não permitir download dos conteúdos. O site promove uma conexão entre público e acervo através de recursos imersivos.

Relevância:

O site do Design Museum Holon é importante para o Projeto Temático devido ao seu design criativo e acessibilidade. Oferece uma busca eficaz e recursos de pesquisa notáveis, conectando conteúdos do acervo a temas da história da arte. A capacidade de mobilizar diferentes públicos e proporcionar uma experiência imersiva o torna valioso para a pesquisa e desenvolvimento do projeto.

Le Galerie degli Uffizi (Por Giselle Beiguelman):

O site das Galerias Uffizi se destaca por seu design criativo e acessibilidade. Oferece uma busca eficaz e recursos de pesquisa notáveis, conectando conteúdos do acervo a temas da história da arte.

Relevância:

O site mobiliza diversos públicos, proporcionando uma experiência imersiva com vistas virtuais em vídeo e um vasto arquivo digital. Sua busca eficaz e recursos de pesquisa conectam conteúdos do acervo a temas da história da arte. 

[1] Textos redigidos pelo ChatGPT, editados por Giselle Beiguelman, com base nos formulários do Workshop Interfaces Possíveis, realizado no dia 29 de agosto de 2023, com a presença de: Ana Magalhães, Bruno Moreschi, Dalton Martins, Eduardo Costa, Heloisa Espada, Paula Perissinotto, Priscila Arantes e Renata Perim .