Digital Benin é uma plataforma digital que articula tecnologia, memória e justiça cultural para reunir informações sobre mais de 5.000 objetos oriundos do antigo Reino do Benim – atualmente parte do Estado de Edo, na Nigéria – hoje dispersos em coleções de 138 instituições distribuídas em 21 países. Trata-se de um gesto de restituição epistêmica que responde ao esfacelamento provocado pela pilhagem colonial, operando como instrumento de reinscrição simbólica e reconexão política com patrimônios que foram desarticulados de seus contextos de origem.
A dispersão desses objetos remonta à incursão militar britânica na Cidade do Benin, em 1897, quando o Palácio Real foi saqueado e queimado. Entre 3.000 e 5.000 obras de arte – muitas delas produzidas em bronze, marfim e madeira por guildas especializadas – foram expropriadas de forma sistemática e revendidas para museus e colecionadores europeus. Esses objetos, hoje amplamente conhecidos como “bronzes do Benim”, tornaram-se ícones de um sistema de expropriação imperial sustentado por classificações etnográficas e epistemologias coloniais.
Embora amplamente reconhecidos como obras de sofisticada complexidade formal e simbólica, esses objetos foram, ao longo do século XX, essencializados como “arte africana” por instituições ocidentais que desconsideraram seus contextos de produção e agência cultural. O acervo do British Museum, que ainda abriga mais de 900 peças, é exemplar dessa persistência colonial, ao se recusar a devolver os bronzes, mesmo diante de apelos reiterados da Nigéria, da Corte de Benim e da sociedade civil global.
É nesse terreno de disputa entre visibilidade e pertencimento que se inscreve a proposta do Digital Benin. Ainda que não realize a repatriação material, a plataforma opera como uma ferramenta de recomposição simbólica e política. Ela organiza, em um só ambiente, dados museológicos, mapas históricos, arquivos coloniais, histórias orais e terminologias na língua Edo. Dessa forma, permite não apenas o acesso público a esse acervo disperso, mas sua reinscrição a partir de uma ética relacional.
As seções do Digital Benin não apenas oferecem ferramentas de busca – como catálogos, mapas e registros de proveniência – mas propõem também um deslocamento semântico. Espaços como o Ẹyo Otọ restitui os nomes originais dos objetos, resistindo aos vocabulários coloniais que ainda estruturam os acervos. A seção Itan Edo reinscreve a história do reino e de seus protagonistas por meio de cosmologias locais. Histórias orais amplificam os modos de transmissão não escritos e reatualizam vínculos intergeracionais.
Mais do que um banco de dados, o Digital Benin assume a forma de um contra-arquivo: um espaço dinâmico de escuta, reordenação e deslocamento. Ao reunir aquilo que foi disperso à força, a plataforma torna-se também um laboratório de práticas reparatórias, sugerindo que o digital pode ser um terreno para restaurar o que foi arrancado fisicamente.
Referências
- PHILLIPS, Barnaby. Loot: Britain and the Benin Bronzes. London: Oneworld Publications, 2021.
- BRITISH MUSEUM. Benin objects in the collection. Disponível em: https://www.britishmuseum.org. Acesso em: 17 jul. 2025.
- DIGITAL BENIN. About the platform. Disponível em: https://digitalbenin.org. Acesso em: 17 jul. 2025.
- HICKS, Dan. The Brutish Museums: The Benin Bronzes, Colonial Violence and Cultural Restitution. London: Pluto Press, 2020.
- SARR, Felwine; SAVOY, Bénédicte. The Restitution of African Cultural Heritage. Toward a New Relational Ethics. Paris: Ministère de la Culture, 2018. Disponível em: https://restitutionreport2018.com