Black Digital Archiving Project: memória negra, tecnologia comunitária

Black Digital Archiving Project é uma iniciativa que investiga os desafios e as possibilidades da preservação digital das histórias negras no Reino Unido. Desenvolvido em colaboração com artistas, educadores e especialistas em governança da informação, o projeto não tem como objetivo construir um novo arquivo, mas examinar criticamente o ecossistema já existente — suas lacunas, limitações e potências.

Fruto de uma pesquisa realizada em plena pandemia de Covid-19 — momento em que o fechamento dos arquivos físicos evidenciou ainda mais a precariedade do acesso digital —, o projeto partiu da constatação de que os acervos digitais têm falhado historicamente em incluir comunidades marginalizadas em seus modelos de design e acessibilidade. Ao mapear arquivos locais, entrevistar gestores e realizar um levantamento colaborativo, o grupo buscou entender onde estão os materiais sobre as histórias negras britânicas, quem detém sua guarda e quais são os obstáculos que impedem sua circulação.

A iniciativa se estrutura a partir dos princípios da tecnologia comunitária, priorizando a escuta mútua, a aprendizagem coletiva e o engajamento crítico. Não se trata apenas de digitalizar documentos, mas de repensar toda a infraestrutura arquivística — incorporando vocabulários próprios, metodologias de escuta e modelos de governança centrados nas comunidades negras. A equipe colaborativa inclui artistas como Rudy Loewe, que trabalha com pintura e memória queer negra; educadoras como Tania Nwachukwu, cofundadora do projeto Black in the Day; e profissionais como Ghislaine Yimga, especialista em proteção de dados e boas práticas arquivísticas.

Entre os produtos desenvolvidos, destaca-se o podcast Oral Tradition, que amplifica vozes comunitárias e aborda os silêncios institucionais que marcam a preservação das histórias negras. O projeto também elaborou e distribuiu questionários aplicados a arquivos públicos para mapear acessibilidade, grau de digitalização e a existência — ou ausência — de vocabulários adequados para a catalogação de acervos negros.

A pesquisa revelou não apenas lacunas materiais, como fundos não digitalizados ou mal catalogados, mas também tensões políticas mais amplas — como a tentativa do governo britânico de restringir o ensino de histórias anticoloniais nas escolas. Essas políticas de censura institucional comprometem o direito à memória das comunidades negras. Em resposta, o projeto propõe uma virada: transferir o foco das instituições para as comunidades, fortalecendo a capacidade local de preservar e disseminar suas próprias narrativas.

Mais do que oferecer respostas prontas, o Black Digital Archiving Project propõe um ponto de partida para novas alianças entre memória, cuidado, infraestrutura e justiça racial. Seu legado reside na criação de condições para que os arquivos deixem de ser depósitos do passado e se tornem ferramentas de autodeterminação no presente e no futuro.

🔗 Saiba mais: blackdigitalarchiving.netlify.app

Ana Roman