Enrede-se no projeto Xingu Entangled!

Bruna Keese

Com o objetivo de propor visualizações interconectadas, que ampliam as perspectivas, os discursos e as possibilidades de diálogo sobre o tema, o projeto Xingu Entangled ou Emaranhados do Xingu, é uma interface interativa que apresenta uma narrativa imagética sobre a cultura do povo Kuikuro, do Alto Xingu, combinando vídeos, diagramas, desenhos e fotografias. 

A ideia principal por trás do Xingu Entangled é conectar objetos, lugares, eventos, organismos e atores espirituais em uma narrativa não-linear e estruturada em dados. Assim, um acervo de objetos indígenas, que muitas vezes é apresentado de forma descontextualizada e desconectada, é exibido através da plataforma em conjunto com os conhecimentos e as práticas que os envolvem. Dessa forma, a empreitada busca criar conexões para agentes que foram separados pelas disciplinas ocidentais.

Cada vídeo é apresentado em paralelo a visualizações em forma de diagramas, que vão se formando conforme as cenas avançam, revelando camadas e interconexões entre elas. A partir do desenrolar da narrativa o usuário pode percorrer os diagramas de forma interativa, buscando novos caminhos e ligações com outros vídeos da plataforma, bem como aprofundar as informações sobre um elemento específico e seu contexto. 

A plataforma pretende contextualizar artefatos do Xingu em narrativas que revelam suas complexas redes de inserções, representando perspectivas indígenas muitas vezes invisibilizadas por práticas museológicas ocidentais, que dividem tais artefatos em disciplinas e instituições de forma descontextualizada e hierárquica. Desse modo, o projeto problematiza a forma como artefatos etnológicos estão documentados, mantidos e representados em acervos museológicos. 

Quando projetos como o Xingu Entanged trabalham em parcerias com as comunidades percebe-se que existe uma grande lacuna de informações e contextos.  Enquanto museus expõem objetos com informações que muitas vezes se reduzem ao nome e ao lugar de onde vieram como, por exemplo, “armadilha para pesca, alto Xingu”, uma enorme quantidade de informações como o povo, a forma de uso, o material, a história de criação do objeto e todo um contexto, se perde. Além disso, ao se expor a complexa rede de relações em torno de um objeto, é possível perceber a diluição da separação entre natureza e cultura, uma vez que um material como o cipó, utilizado na confecção da armadilha de pesca, por exemplo, não é apenas uma espécie identificada pela ciência botânica, mas, naquele contexto, surge das veias de um ancestral e está portanto vinculado a uma série de outros saberes. 

Levar as comunidades aos acervos museológicos e, por outro lado, os acervos de volta às comunidades são movimentos primordiais na intenção de se pensar acervos indígenas conectados aos seus contextos e direcionados às demandas dos povos em questão. No caso específico do Xingu Entangled, que trabalhou com comunidades do Alto Xingu, como o povo Kuikuro, e do Alto Rio Negro, o trabalho possibilitou que a prática de produção dos objetos nas aldeias fosse intensificada, promovendo o fortalecimento de um saber que tende a desaparecer através das gerações. 

A partir do trabalho com as comunidades o projeto se baseou no conceito antropológico de boundary object, no qual o artefato funciona como um objeto de fronteira que possibilita uma interação entre diferentes comunidades, sujeitos, saberes e relações, promovendo trocas e encontros. Além disso, a forma de visualização em redes e diagramas pretende possibilitar a coexistência entre diferentes universos de conhecimento, sem a necessidade de hierarquizá-los ou rotulá-los como conhecimento local, conhecimento idígena versus ciência botânica aplicada, por exemplo. 

A plataforma foi realizada com uso de uma ferramenta online, desenvolvida pelo grupo de pesquisa do projeto e que relaciona vídeos com redes de informações. A ferramenta foi batizada de The Wanderer, nome que pode ser traduzido por “andarilho” ou “errante”, remetendo à ideia do flâneur informacional. O termo, cunhado pelo integrante do projeto Marian Dörk, indica uma interface que permite que o usuário navegue de forma mais fluida, percorrendo o conteúdo através de um caminho e um tempo próprios e sem ter necessariamente uma busca específica como objetivo. A ferramenta The Wanderer está disponível para uso livre pelo GitHub.

A plataforma é parte do projeto transdisciplinar Amazonia Future Lab (2021-2024). A equipe foi composta por Fidel Thomet, Nadia Zeissig, Marian Dörk, Andrea Scholz, Thiago da Costa Oliveira, Flavia Heins. Este projeto é uma colaboração entre Museu Nacional (Brasil), Institut für Museumsforschung (Alemanha), Ibero-Amerikanisches Institut (Alemanha), Botanic Garden and Botanical Museum Berlin (Alemanha), Urban Complexity Lab da Universidade de Potsdam (Alemanha) e Ethnologisches Museum (Alemanha). Foi financiado pelo Programa de Cultura Digital da Fundação Cultural Federal Alemã e pela fundação Stiftung Humboldt Forum im Berliner Schloss.

Conheça

https://amazoniafuturelab.fh-potsdam.de/
https://uclab-potsdam.github.io/xingu-entangled/#/graph/28c47119-1798-4f58-95ea-b25d4e7045f2
https://github.com/uclab-potsdam/wanderer

A plataforma foi exposta no Brasil em 2024 na segunda edição da exposição Existência Numérica Emergências, no Espaço Cultural Futuros – Arte e Tecnologia no Rio de Janeiro. Para ler mais a respeito da obra bem como as falas de parte da equipe no seminário, baixe o catálogo da exposição gratuitamente em: https://www.existencianumerica.com.br/livros.html#livro2024.