Jack Halberstam, em sua obra In a Queer Time and Place: Transgender Bodies, Subcultural Lives (2005), propõe a ideia de um bloco histórico que estabelece alianças entre a academia e as dissidências de gênero e sexualidade. O autor argumenta que as investigações acadêmicas desempenham um papel crucial não apenas na construção de memórias e arquivos queer, mas também na circulação e complexificação dessas narrativas. Essa elaboração crítica, segundo Halberstam, contribui para que a radicalidade das produções permaneça nas mãos das “subculturas transviadas”, preservando sua potência política e subversiva.
Nesse cenário, o Archivo de la Memoria Trans (AMT) é um espaço para a proteção, construção e reivindicação da memória trans. María Belén Correa e Claudia Pía Baudracco, ambas ativistas e mulheres trans, imaginaram uma plataforma para reunir outras sobreviventes, suas memórias e imagens. Com o falecimento de Claudia em 2012, María Belén assumiu a continuidade da iniciativa, criando no mesmo ano um grupo no Facebook denominado “Archivo de la Memoria Trans“, com o propósito de estabelecer conexões entre as pessoas envolvidas nessa trajetória de resistência e luta coletiva.
Em 2018, o grupo já contava com mais de mil mulheres trans participantes, tanto argentinas quanto estrangeiras. A proposta inicial do projeto era reunir essas companheiras, suas memórias e fotografias, preservando esse acervo primeiro em uma biblioteca física e, posteriormente, em um espaço virtual. Com o tempo, o objetivo foi se expandindo e rapidamente se transformou em um esforço coletivo voltado à construção da memória.
A missão do AMT é reunir e resgatar um acervo documental sobre a história de vida da comunidade trans argentina. A visão é se consolidar como referência documental e organização de memória coletiva para identidades trans. Nesse sentido, a política documental do AMT adere à luta contra a transfobia: trabalhando pela formação educacional e integração social e trabalhista de pessoas trans, além de denunciar todo tipo de transfobia institucional ou social.
O AMT possui um forte significado como um lugar de novas epistemologias da memória. Serve ao duplo propósito de construir um arquivo que lança luz sobre a vida e as alegrias das pessoas trans, ao mesmo tempo que registra os desafios enfrentados pela comunidade na Argentina. O conteúdo é acessível ao público por meio de várias plataformas on-line, promovendo um espaço inclusivo para engajamento, discussão e ação sobre a dissidência. O design digital do site foi assinado pelo estúdio argentino Lamas Burgariotti em conjunto com o designer Juan Pinkus.
Assim, o arquivo assume simbolicamente a forma de um álbum de família. O projeto reúne narrativas visuais de uma rede afetiva sustentada pelo apoio, pela proteção e pela celebração da vida, preservando também a memória das companheiras que já não estão presentes.
CONHEÇA
https://www.instagram.com/archivotrans
HALBERSTAM, Jack. In a Queer Time and Place: Transgender Bodies, Subcultural Lives.
Nova Iorque: New York University Press, 2005.
