De acordo com a teórica e crítica cultural Teresa de Lauretis, as tecnologias de gênero, entendidas como um conjunto de dispositivos discursivos, institucionais e simbólicos, tais como os sistemas jurídicos, educacionais, religiosos e midiáticos, atuam como mecanismos de produção e regulação do gênero na contemporaneidade. Esses dispositivos não apenas dificultam o reconhecimento e a legitimação de identidades trans, travestis e não-binárias, mas também, paradoxalmente, criam fissuras no regime normativo que possibilitam o surgimento de formas subversivas e criativas de subjetivação.
Lauretis propõe que, por ser uma relação social, o gênero está profundamente ligado aos processos de representação e autorrepresentação, sendo “produto de diferentes tecnologias sociais, como o cinema, por exemplo, e de discursos, epistemologias e práticas críticas institucionalizadas, bem como das práticas da vida cotidiana”. Dessa maneira, ao elaborar o conceito de tecnologias de gênero, a autora explica como, através de escolhas técnicas, as representações são construídas, algumas vezes alinhadas com valores e normatizações que constroem as visualidades de determinadas maneiras.
Partindo dessa perspectiva, a Revista Balam, fundada em 2015 por Luis Juárez, artista e publicitário hondurenho radicado em Buenos Aires, emergiu como resposta à carência de visibilidade das comunidades dissidentes e marginalizadas no campo da fotografia latino-americana. A revista se tornou um manifesto documental, uma reafirmação de subjetividade e um registro das histórias da comunidade queer.
Por meio de temas destinados a expor as múltiplas realidades e acompanhar as lutas das minorias e dissidências, a Balam promove criadores que buscam expressar e projetar um território sem distinção de fronteiras. Sua publicação tem como objetivo transformar, visibilizar, interpelar e (re)inventar discursos críticos que dialogam com problemas sociais, culturais e políticos, a partir de uma postura anti-hegemônica e com um enfoque poético incomum, que desafia as práticas tradicionais da fotografia e das artes.
Cada edição da revista é concebida como um fotolivro ou objeto de arte, com tema, colaboradores e acabamentos gráficos únicos para cada número. O design de cada edição é pensado para refletir plenamente o tema escolhido. No caso da edição Mestizx, foi planejado como uma celebração livre e festiva, com imagens que brincam entre si, dialogam e ocupam o espaço como uma festa visual.
O design, no contexto da revista, ultrapassa os limites do estético e do funcional. Ele deixa de ser mero suporte visual para tornar-se um espaço de disputa simbólica, visibilidade e cuidado. A publicação não apenas aborda temas dissidentes em seu conteúdo, ela encarna essa dissidência também em sua forma. Diagramações fluidas, layouts não lineares e uma retórica visual propositalmente instável criam uma linguagem que ressoa com seu público, desafiando normas gráficas convencionais e abrindo espaço para novas possibilidades de leitura.
Dessa forma, no âmbito do design da revista Balam, a perspectiva do filósofo Paul B. Preciado é relevante: corpos e sexualidades não são tratados como dados naturais, mas como construções visuais e culturais produzidas por técnicas específicas de representação. Elementos como o enquadramento, a colagem, a reprodução, a imitação, a montagem, a padronização, o recorte e a transparência não apenas compõem a linguagem gráfica da revista, mas operam como dispositivos que performam e desestabilizam normatividades. Assim, o design torna-se um campo de produção política, no qual visualidades dissidentes são não apenas mostradas, mas cuidadosamente fabricadas.
CONHEÇA
https://www.instagram.com/revistabalam
LAURETIS, Tereza de. A tecnologia de gênero. In: HOLLANDA, H. B. de (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
PRECIADO, Paul B. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Rodrigues. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.