TAKWEER: DESIGN COMO UMA LENTE SOCIOPOLÍTICA NA HISTÓRIA QUEER ÁRABE

Na história árabe antiga, durante a era dos primeiros califados islâmicos, existiam inúmeras menções a relacionamentos entre pessoas do mesmo gênero; a maioria delas é sobre homens, mas há algumas que também falam sobre mulheres. Havia até um tipo específico de poesia dedicada aos homens para falar sobre seu amor, admiração e paixão por outros homens. O poeta árabe clássico do Califado Abássida, Abu Nuwas, escrevia constantemente sobre seu desejo por homens. Embora, é claro, houvesse conservadores que considerassem isso ‘imoral’, este não era o discurso dominante em torno da homossexualidade. 

Além disso, há uma história famosa que é considerada o primeiro caso registrado de um relacionamento lésbico na história árabe do século X. É uma trágica história de amor entre duas mulheres: Al-Zarqa’ e Hind Bint al-Nu’man. Quando Hind morreu, sua fiel amante cortou seu cabelo, vestiu roupas pretas e jurou a Deus que levaria uma vida ascética até que também falecesse. Ela até construiu um mosteiro para comemorar seu amor eterno por sua amada. 

Nesse contexto, quando se analisa a intimidade entre pessoas do mesmo gênero, percebe-se que ela tem uma longa história no Oriente Médio. Muitos relacionamentos entre pessoas do mesmo gênero ou mesmo não binárias existiram ao longo da história. Muitas vezes, havia uma zona cinzenta onde os sujeitos tinham “permissão” para fluir e eram vistos simplesmente como ‘fora do normal’ ou ‘excêntricos’.

É a partir destas histórias que nasce a Takweer, uma plataforma bilíngue online e um acervo em expansão, fundado em setembro de 2019 pelo designer e artista multidisciplinar Marwan Kaabour. O objetivo da Takweer consiste em compilar, arquivar, pesquisar e celebrar narrativas queer na história e cultura popular árabe. O acervo abrange exemplares de arte, cinema, televisão, música, literatura, poesia, revistas, teatro, memes árabes – e muito mais. Kaabour analisa as histórias árabes de maneira indiscriminada e com um pente fino em busca de narrativas potentes. Em seguida, ele retira essas histórias de seus ambientes originais para pesquisá-las e recontextualizá-las com uma lente queer. 

A plataforma contesta a narrativa dominante relacionada à queerness árabe, como é vista pela mídia tradicional e pelas sociedades árabe e ocidental, e se apresenta como uma alternativa e um desafio ao discurso queer eurocêntrico. A Takweer também atua como um ponto de partida para projetos com foco em assuntos específicos. O Queer Arab Glossary (Glossário Árabe Queer), que explora as gírias queer nos dialetos árabes, é o primeiro projeto realizado pelo arquivo e foi publicado em junho de 2024 pela Saqi Books. Atualmente, a página da Takweer no Instagram conta com mais de 24 mil seguidores e inclui mais 180 registros de arquivo. Esses registros abrangem toda a região de língua árabe, do Iraque, no leste, ao Marrocos, no oeste, e sem limitação temporal. 

Quando perguntado no blog Yalla Feminists! sobre qual conselho Kaabour daria para outras pessoas queer ao redor do mundo, o designer respondeu: “Meu conselho é não se prenderem muito a políticas de identidade. Sim, é importante ser reconhecido por quem você é. Sim, é importante ser visível e incluído. No entanto, você é mais do que apenas uma pessoa queer; você é uma pessoa completa, complexa e contraditória, com necessidades, desejos e emoções que às vezes excedem sua queerness. Percebo que muitos de nós ficamos presos a rótulos e frequentemente dizemos: “Eu sou queer, e é isso que eu sou”. Ótimo, querido, mas você também é muito mais do que isso. Explore isso e saia da caixa que temos tentado tanto abrir; não se coloque nela novamente”. 

CONHEÇA:

https://www.instagram.com/takweer_

https://www.instagram.com/ustaz_marwan